As Mãos e os Quartos


(Imagem: Link)


Pela mão do artista nascem por vezes as maiores obras-primas ao mundo ofertadas, expostas num qualquer museu, centro cultural, casa particular ou simplesmente, num pedaço de papel velho, amarelecido pela passagem do senhor tempo, afixado num qualquer canto de uma qualquer parede bolorenta de um qualquer quarto cinzento, desarrumado, desprovido de qualquer valor para quem quer que seja, além da pessoa que nele desagua, descarrila, morre e ressuscita todos os dias.

São assim os quartos. Alguns têm tantas histórias para contar, que dariam livros, caso alguém se desse ao trabalho de interpretar as mensagens presentes nas paredes, nos objectos, e nas próprias pessoas que por ali foram passando ao longo dos anos. Mas… Ninguém quer saber.

Digamos que não é um tema susceptível de grande apreciação, as venturas e desventuras de um quarto em específico. Por mais histórias que aquelas quatro paredes tenham em si entranhadas, falta a paciência para escarafunchar no gesso, para percorrer com o olhar cada milímetro da tinta branca que um dia as caracterizaram.

Faltam, sobretudo, as mãos. Essas, que de tão cansadas, fraquejam constantemente, protestam contra os ofícios ou a falta deles, contra o frio ou o excesso de calor, contra as suas semelhantes que são obrigadas a apertar indefinidamente, sem que lhes sejam dadas quaisquer alternativas… No fundo elas só queriam poder optar.

Talvez seja por isso que a caneta saia cada vez menos da posição horizontal que ocupa na secretária. Também ela se recusa a auxiliar-me, sempre que da gaveta penso em tirar as histórias imensas que aqui vos conto. Será um complô, entre a caneta e as mãos… Também elas estarão fartas dos caprichos do seu mestre. Também elas servem de metáforas perfeitas, para um texto que não foi escrito para ser entendido por quase ninguém.

Também elas não querem “ir por alí"…

3 comentários:

Mafal∂a disse...

As pessoas andam distraídas…não têm tempo nem disponibilidade para pensar em muita coisa a não ser no próprio umbigo. Andam umas segundo as outras, acreditam á primeira no que lhes é dito, não discordam porque simplesmente não se dão ao trabalho de reflectir um pouco, de divagar mentalmente…de sair do concreto…por isso não se preocupam com as marcas deixadas nas paredes do quarto por outros tempos, são hoje apenas marcas incomodas sem interesse, assim como não se preocupam em lembrar as marcas que algumas pessoas deixaram ao passar nas suas vidas…
Entram uns saem outros, sempre num rodopio imenso de gente desprovido de sentido.
=)

I.D.Pena disse...

Este texto é na minha opinião e dos que eu já li, o melhor.

Obrigada pela partilha Gravepisser :)

MA-S disse...

Tenho a dizer que estas 4 lívidas paredes, frias, húmidas e vazias, que delimitam a minha existência não deixam transparecer, quem entre elas, vagueia.
Agora que leio este texto, encontro-me a pensar o que estas paredes revelam sobre mim? O que é que elas deixam transparecer de mim? Á única conclusão a que chego é que não podiam estar mais de acordo com a minha alma...vazia.
As paredes transparecem isso...o quarto em si, mostra alguém que me foi imposto...mas também não sei até que ponto.