Sorvo tragos dos dias, plenos de ausências, e atolado numa espécie de embriaguez dos sentidos, eis-me, não perante vós, mas perante mim mesmo.
Já não sou quem era, e de quem fui, mais não restam senão as sombras de um passado intemporal, que ora distante, ora presente, teima em não me deixar respirar, necessitado que estou, cada vez mais, de um sopro de vida que, a espaços, parece querer existir... Só para se desvanecer, novamente, numa aurora qualquer.
Já não consigo encontrar-me, perdido que estou neste emaranhado de sentidos, exausto, de tanto correr para lado nenhum, confuso, por já não saber o que esperar mesmo quando tinha a certeza de já ter percebido como funcionam certos mecanismos, os tais "amores" que, contemplados na primeira pessoa, teimam em querer cair a meus pés, antes sequer de eu ser capaz de agarrá-los, de agarrar-te...
Sobram as justificações do costume, aquelas que de tantas vezes repetidas, se entranharam em mim, de uma tal forma que já nem o mais forte diluente é capaz de removê-las. Como um veneno, cujo antídoto jamais fui capaz de encontrar, ainda que ele tenha estado, hoje e sempre, ao meu alcance.
Estranho destino, este, que teimaram em traçar-me, cientes de que a minha força, por si só, seria incapaz de derrubar todos os obstáculos que me ergueram à partida.
Sou capaz de salvar-vos, mas não consigo salvar-me a mim.
E assim sendo, com que amanhãs posso eu sonhar, sozinho que estou neste barco, furado, à deriva no mar tempestuoso?
...
3 comentários:
Porra, texto fortíssimo, amigo Grave.
"Sou capaz de salvar-vos, mas não consigo salvar-me a mim."
'Taí uma frase que já pensei, mas nunca disse.
Abraço.
Há sempre um caminho a seguir por mais escondido que esteja...agarrar novos projectos é o caminho para nos salvar e impedir o desvio da mente para um passado incurável...
bjs fica bem
Pandora Salvado
Querido amigo Grave,
por vezes, a "embriaguez dos sentidos" é necessária, mas é também, sem dúvida, temporária. Há sempre um jardim florido a nos espreitar, porém, nossos olhos precisam estar preparados para vê-lo.
Um beijo grande,
Ane
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