(Imagem: Link)
Não chores mais. Avó, sei que me ouves desse lado. Ainda eu não passava de um esboço mal feito na cabeça de dois inocentes, e já tu saboreavas na face as agruras deste mundo decadente para o qual te trouxeram sem pedir autorização. Não tinham esse direito, pois não? Ninguém devia ser obrigado a nascer para um mundo tão feio como este em que vivemos. Não chores mais. Eles não merecem, Avó… Por mais lágrimas que vertas, jamais terão o prazer de ver desvanecer-se nos teus olhos, a cor azul celeste com que tos pintaram, aqueles que um dia acreditaram no futuro utópico que neles parecia impresso, logo à nascença. Não chores porque, sempre que o fizeres, dar-lhes-ás motivos de festa. Julgam eles, que assim estarás cada vez mais perto do fim, regozijam e brindam ao futuro risonho que os teus bens lhe proporcionarão, uma vez finda a tua passagem pelo mundo dos vivos. Achas mesmo que vale a pena? Não. Ouve-me: eles não sabem o que fazem. Não vejas em mim divindade alguma, mais não sou que o amontoado de pequenos nadas que sempre soubeste amar, não obstante a rejeição de todos os outros, perante a minha pessoa. Pessoa, ouviste bem? Afinal, a ironia dos deuses: havia de herdar de ti o maior dos teus defeitos – a teimosa persistência que me permitiu levantar do chão, e fazer-me homem quando todos afirmavam que seria macaco. Coloca no meu ombro a tua mão – dançarei contigo uma última valsa. Será a mais longa de todo o sempre. Não terá o habitual ritmo lento e melodioso, antes, tambores rufantes e xilofones trepidantes, acordeãos vibrantes e violas electrizantes. Não deixará de ser uma valsa, pois o teu corpo envelhecido não permite grandes movimentos. Podem rir à vontade… Mas eu tenho o direito de lhe chamar o que quiser. Até poderia ser outra coisa qualquer, mas não: é a valsa da despedida entre uma avó e um neto. Agora que paraste de chorar, aceita este copo. Sirvo-to com a mesma vontade com que o bebes, satisfeitos que estamos com os efémeros sorrisos por ele proporcionados. (Retiro-me, antes mesmo de te aperceberes que não passou de um sonho.) No dia seguinte, toco à campainha e não obtenho resposta. O telefone fora desligado, a casa ficara vazia sem que eu tivesse tido tempo para te indicar qual o melhor caminho a seguir para alcançar o céu. Sei que o encontrarás, no entanto. Mesmo sem a minha ajuda. E eu lá irei ter contigo, mal esteja preparado. Não chores mais... [Na falta de inspiração presente, salvem-se as memórias de um passado recente. Escrito, publicado e posteriormente eliminado por mim, algures num blog, em 2008.]
2 comentários:
Friend, não podes deixar estas preciosidades escondidas.
Muito bom, vindo directamente do coração, com sentido e... sofrimento.
Tocaste em algo que, para mim, faz muito sentido.
Abraço
Tenho a certeza que ela não chora mais!!Está a olhar para e por ti e a ver no quão perfeito te tornas-te!
Saudades!
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