A Casa

 (Imagem: Link)


Enfeitamos as mentes e os corações com promessas imaginárias que teimamos em manter vivas,

mas estamos mortos há tempo demais, já nos esquecemos do que significa a felicidade,

dela já não sabemos extrair sorrisos que cheguem para continuar a enganar os tolos,

de nós nada resta senão meia dúzia de rabiscos num muro qualquer, votado ao abandono,

às intempéries, à solidão...

Que queremos, agora que por entre as frestas de uma casa em ruínas mais não espreitam senão as mágoas de um passado de tormentos,

a dor persistente das traições,

o vazio de um amor que nunca nos permitimos viver?

A vã esperança de um futuro sem projecto, sem alicerces,

ou um gesto de ternura que nos relembre: "you matter"?

Sei lá eu, talvez tu saibas, mas não posso de forma alguma pergunta-to. 

Talvez no dia em que te apercebas de que certos caminhos só podem ser percorridos a dois,

e que essa metade que te falta sempre esteve aqui, à tua espera,

a espreitar,

(por entre as frestas das janelas dessa casa onde nunca entraste, por mais que soubesses onde se encontrava)

de braços abertos, inocentes, sonhadores...

Maybe then, I'll still be here.

With my distorted sights... Alone and benighted by my frights...


We're Not There

 (Imagem: Link)



Camaleões emocionais que somos, podíamos ao menos ter nascido com a resistência e a capacidade de adaptação desses nossos irmãos irracionais, mas não.

Somos mais frágeis que os ramos secos de uma árvore à mercê das tempestades da vida, incapazes de lhe resistir, incapazes

de saborear as pequenas acalmias que nos vão sendo proporcionadas, 

aqui e ali. 

Aqui. 

Estás tão perto, que aqui ao longe me pareces inalcançável - os meus dedos teimosos querem agarrar-te, mas este coração cansado já não tem força suficiente para bombear esperança que chegue para manter vivo um corpo que há muito clama pelo seu descanso final.

Estás longe, e eu aqui tão perto sempre esperei por ti - em vez de te procurar, como devia ter feito. Será tarde demais para remediar tão imperdoável falha?

Estou já demasiado longe de mim para pensar com clareza. Foram tantas as vezes em que estendi o braço em busca de um abraço tranquilizador, em busca do ombro que sempre disponibilizei para os outros... 

Nunca o tive. Se calhar não gritei suficientemente alto,

mas está já demasiado gasta e trémula esta voz, não creio que ainda seja capaz de chegar aí, 

tão longe...

Tão longe...


Are We There?

(Imagem: Link)



Qual chama que água alguma apaga, grito em surdina capaz de apaziguar a mais tortuosa das almas, esta corrente de estranhos sentimentos que se arrastam no tempo e se perpetuam na ponta dos dedos,

errantes e exaustos na busca de uma paz permanente, fugidia.

We've always been there.

Mas quem somos afinal?

Pássaros sem asas planando ao sabor dos ventos, das tempestades, das correntes...

Sementes perdidas, ansiosas pelo solo fértil que nos fortaleça as raízes,

e nos permita enfrentar o tempo que nos resta neste espectro invisível e cruel,

cegos que estamos por nada mais conhecermos além da escuridão.

Seremos capazes de suportar a dor quando abrirmos os olhos pela primeira vez, e as trevas tiverem dado lugar à luz que nunca vimos?

Ela anda por aí, ao fundo de um túnel qualquer...

Let's find it together? 



Dispossessed

(Imagem: Link)


Sentimo-nos desapossados de todos os bens, materiais, imateriais, tudo, enfim

e nem tempo temos para parar e questionar-nos: como é possível termos chegado a este ponto?

Está em marcha uma corrida louca, do tempo contra nós próprios, e não há esquinas que nos protejam das chamas de um inferno real que nos consome,

por mais geladas que estejam,

por mais vontade que tenhamos de as deixar amenizar as fúrias que nos controlam...

Necessitamos urgentemente de um néctar qualquer que nos permita continuar, mas não sabemos de onde desenterrá-lo...

Será possível extrair ao vazio a essência da vida?

Outra coisa não fazemos senão tentar, e falhar, uma e outra, e mais outra vez,

até que cansados de arrastar os pés sangrentos,

nos daremos por vencidos num descampado qualquer, debaixo de um luar qualquer num lugar qualquer.

E quando prostrados no chão vazio, teremos então ao alcance das nossas mãos as raízes putrefactas de uma vida sem norte,

para que possamos então arrancá-las e descansar,

nos braços de um silêncio qualquer.

Por fim...

 

Dunkelheit



Quer brote do caos absoluto ou de um segundo de introspecção ao acaso, consome-nos sempre com a mesma intensidade, àqueles que dela nascemos e com ela vivemos, até que um dia

a escuridão.

É quase indefinível, por natureza. Como adjectivar o infinito? Temo-la demasiado entranhada nas profundezas do ser, afoga-nos impiedosamente antes sequer de pensarmos em dar umas braçadas em direcção à salvação...

Não sei nadar.

O sangue ferve e não há banho de gelo, antibiótico ou gesto de bondade alheia que o impeçam de se consumir, de dentro para fora, que de fora para dentro não vem nada,

é um infinito de continuidades que me abafa,

e o ar irrespirável inundado de promessas quebradas, envenenado pelas minhas próprias mãos. Com que direito me posso queixar a alguém?

Um poço sem fundo de inóspito vazio: é o que nos espera a cada virar de esquina, a cada dia que vivemos, nós que somos seres amorfos à espera de qualquer coisa que nos salve,

sabemos lá nós bem do quê...

Não temos salvação.

Deixe-mo-nos, pois, de devaneios, e cinja-mo-nos aos factos: só temos uma escolha a fazer, e com ela haveremos de viver ou deixar morrer...

Continuamos?