Memorial - Part II

(Gloomy, by RaziMysteria, deviantart.com)



Memórias haverão de consumir-nos para sempre. No seu vortex inescapável e inconfundível pelo cheiro azedo às mortes que por lá pairam, pela podridão das almas perdidas que jamais alcançarão a utópica paz.

Vagabundos, na soma de todos os nadas. Já não somos capazes de respirar, de tão envenenada que se encontra a atmosfera dos nossos inexequíveis sonhos de infância.
Haverá um dia em que das eternas feridas mais não correrá que as sangrentas lágrimas das vossas lamentações, ainda que, a bem dizer, vos frise de novo: vós não tendes culpa de nada. Talvez apenas, do facto de nunca me terdes dado ouvidos, de jamais terdes dado importância às palavras duras que vos dirigia acerca das coisas. Porque eu era uma criança, verdade? Como é que as crianças podem ter algum dia a noção do que dizem? Não podem…

É tarde demais… Demasiado tarde para acreditar que ainda é cedo. Estou já demasiado velho para crer noutra coisa que não nas insignificâncias de todos as definições que algum dia me possais atribuir. Tentais adivinhar-me e de mim mais não apreendeis que o mais ridículo dos óbvios. Achais-vos contudo merecedores da minha compreensão… Estando eu certo que de mim mais não podereis obter senão a eterna ausência dos que, presentes, estão mais distantes que os pólos da terra.

Peço-vos por isto, por tudo e por nada: não volteis a fitar-me com o olhar penoso de quem observa os últimos passos de um condenado. Se há coisa de que me poderei orgulhar no dia em que deste mundo levantar os pés, é do facto de apenas ter dançado ao som da minha própria música… Ainda que não possa ser atribuída apenas a mim a totalidade da composição de um requiem que ouvireis indubitavelmente, no dia em que eu assim decidir.

Se ao menos me tivesses dado importância… Criança maldita que caminha morta entre os vivos…

…Cruel be the wind as it quells my words… I shout out to the rain…

2 comentários:

Pólvora disse...

No fundo, a verdade, é que estamos todos condenados a ser o que somos, neste imenso campo de concentração que é a vida, a única forma de despersonalização que podemos eventualmente ter será talvez a escrita.

Anónimo disse...

Somos todos feitos do mesmo barro,mas não do mesmo molde(lá diz o proverbio)
O livre arbiterio existe
Cada um é o que faz de si proprio
bj
S&S