(the bird watcher, by gilad, deviantart.com) Venham de lá essas lágrimas, meu velho… Das entranhas desse corpo enferrujado pela insuportável dureza dos anos sofridos em vez de vividos. Ou da impureza desse olhar vítreo, pleno de todos os vazios a que te sujeitaste, a que te sujeitaram durante essa tua longa e infrutífera jornada.
Do vazio desses passos lentos, ziguezagueantes pela inclemência do álcool que vai consumindo a pouca vida que te resta, venha de lá esse abraço. Choras-me no ombro e que consolo te posso eu dar, se da grande diferença de idades não pode ser subtraída a maior das vontades?
Acabas-te nesse último copo do mais carrascão dos vinhos, espelho da mais irónica das verdades, ou da inegável opacidade de toda e qualquer janela de esperança que pudesse restar-te… Eu disse esperança? Não te rias… Eu sei que foi só tua esta opção. Mas tenho o direito de cravar na mesa o punho da revolta, quando os vejo cuspir-te em cima ao invés de ajudar-te a levantar, quando os vejo rir à tua custa, senhores de uma certeza nauseante: a de que jamais acabarão como tu.
Chegaste finalmente ao término da tua caminhada. Colocas sobre a minha a tua mão cansada, e sussurras-me ao ouvido um trémulo “está tudo bem” enquanto sorris pela última vez. Observo nos teus olhos o insuportável arrependimento pela forma como fizeste da vida o mais negro dos festins de horrores. E o medo… Tu que sempre foras corajoso pereceste ante mim como se de uma criança amedrontada pela escuridão do seu quarto, à noite, te tratasses…
Nem a chuva que se mistura com a terra que cai sob o teu caixão de madeira negra consegue limpar as lágrimas deste teu último amigo... Ou será melhor dito “único amigo”?
Conheci-te hoje e já me morreste… Venham de lá essas lágrimas, meu velho.