Quem Me Leva Os Meus Fantasmas?


Aquele era o tempo

Em que as mãos se fechavam
E nas noites brilhantes as palavras voavam,
Eu via que o céu me nascia dos dedos
E a Ursa Maior eram ferros acesos.
Marinheiros perdidos em portos distantes,
Em bares escondidos,
Em sonhos gigantes.
E a cidade vazia,
Da cor do asfalto,
E alguém me pedia que cantasse mais alto.

Quem me leva os meus fantasmas,
Quem me salva desta espada,
Quem me diz onde é a estrada?

Aquele era o tempo
Em que as sombras se abriam,
Em que homens negavam
O que outros erguiam.
E eu bebia da vida em goles pequenos,
Tropeçava no riso, abraçava venenos.
De costas voltadas não se vê o futuro
Nem o rumo da bala
Nem a falha no muro.
E alguém me gritava
Com voz de profeta
Que o caminho se faz
Entre o alvo e a seta.

Quem leva os meus fantasmas,
Quem me salva desta espada,
Quem me diz onde é a estrada?

De que serve ter o mapa
Se o fim está traçado,
De que serve a terra à vista
Se o barco está parado,
De que serve ter a chave
Se a porta está aberta,
De que servem as palavras
Se a casa está deserta?

Quem me leva os meus fantasmas,
Quem me salva desta espada,
Quem me diz onde é a estrada?*



*Pedro Abrunhosa, Quem Me Leva Os Meus Fantasmas

Broken Glass

(Secrets, by lorenzom21, deviantart.com)



Por que misteriosos caminhos poderá alguém (em que aprendemos a confiar desde sempre) deambular, antes que nos apercebamos do que se passa verdadeiramente? Durante quanto tempo se pode encobrir uma mentira, antes que as consequências da mesma expludam bem no meio do círculo, devastando tudo o que previamente havia sido (re)construído?

Eram essas duas interrogações que lhe assolavam a paz de espírito (que já merecia, diga-se de passagem). Como se os seus problemas não bastassem, como se eles não fossem suficientes para transformar cada segundo da sua existência no tormento incomportável que continuava a ser...

E se nas suas mãos não residiam soluções para todos os males, que poderia ele fazer para aliviar a si próprio tamanha carga em cima dos ombros? Não podia simplesmente esquivar-se, fingindo hipocritamente que nada se passava e tudo estava bem, quando na realidade, nada estava...
Era um mero pião, nas mãos de quem nem sequer supunha que o seu maior segredo estava a ser, assim, a causa maior do lento definhar daquele indivíduo que por lá se arrastava dia após dia, quando nem sequer havia pedido para nascer...


... teardrop on the fire, feathers on my breath...

Sem Título

(the end, by zzubevol, deviantart.com)



A tortura da incerteza. O não poder confiar em mais ninguém, quando disso necessitava mais do que de pão para a boca. Os punhais, cravados nas costas.

É disto que eu vivo, meus amigos... É nisto que me vou afogando.
E hoje até vos falo em discurso directo, mais indiferente que nunca ao que de mim possais pensar. É como uma faca de dois gumes, este "ofício" da escrita... Alivia, espremer a alma neste espaço negro - saber que como nós existem outros, também eles vagueando em busca de algo que não podem obter, em busca do remédio capaz de curar a ferida que nenhum outro conseguiu... Sabe melhor que o abraço daqueles que (hipocritamente) dizem compreender o que sentimos... Hipocrisia ou falsa solidariedade, a única dúvida reside no termo aplicável - ninguém me convencerá, jamais, que alguém que assim não (se) sinta possa entender, ou sequer imaginar, o que se passa cá dentro...

Por outro lado, a certeza de que a sanidade há muito partiu, quando da vida mais não se espera senão o seu próprio fim... E digo-o, com a certeza de quem sobre ele (o fim) vem reflectindo, desde o dia em que lhe perguntaram se, de facto, alguma vez o tinha realmente feito...
É o reverso de uma medalha que eu, mais que nunca, desejava que ninguém me tivesse oferecido...

Pyre Of Gods




E porque não são necessários motivos especiais para apreciar um bom som, aproveitem este. A música chama-se Pyre Of Gods, e é dos Tarot, banda de metal finlandesa liderada por Marco Hietala, também ele baixista dos Nightwish.
Enjoy...

Tempestades

(peace within the emptiness, by chix0r, deviantart.com)



Acordava e dava por si perdido num espaço que era cada vez menos o seu, rodeado de pessoas de quem cada vez desconfiava mais. Inválido, num sentido figurado, era assim um insecto a quem haviam cortado as asas há tempo suficiente para já ter percebido que as mesmas não voltavam a crescer.

Ainda que procurasse no dia a dia o conforto e o carinho que todos os inválidos necessitam para se manterem vivos, quase todos se mostravam indisponíveis ou demasiado ocupados para lhe prestar a (in)devida atenção.

Lá se arrastava então como podia, apoiando-se nas falsas amizades que o amparavam de quando em vez, para depois o deixarem cair quando dele mais nada podiam sugar... Era um ciclo vicioso, ele sabia que continuaria a ser assim, mas estava demasiado enfraquecido para conseguir distinguir a falsidade da sinceridade. Afinal, era só um insecto... Um insecto desprezível e sem asas.


... But I'm just a pitiful anonymous...