Addictive

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Um manipulador nato.

Era-o, mas não por querer sê-lo. Corria-lhe simplesmente nas veias, sangue contaminado com a maquiavélica fórmula de uma indesejável arte: a de manipular os outros, a mais negra nuance de uma personalidade que era, inclusive, mais forte que a sua própria vontade.

Negra pois, seria impossível classificá-la de qualquer outro modo, intrínsecos que eram os valores da dignidade humana, do respeito pelos outros, da necessária e suposta inabilidade para os moldar a seu bel-prazer, pois seria sempre essa a única forma de não sentir remorsos, no dia do seu juízo final.

No final, e fazendo uma retrospectiva cínica pelos meandros tortuosos do seu passado recente, apercebeu-se de que a verdade era só uma: havia-os vergado a todos, perante as suas vontades.

De uma forma ou de outra, havia obrigado meio mundo a ceder perante os seus caprichos, insignificantes ou não, pouco importava.

A todos... Menos uma.

Uma pessoa, no meio de todas as outras, ousou resistir-lhe, a ele, logo a ele!

Ignóbil criatura, essa. Poderosa, sustentada na rocambolesca essência do seu passado, servira-se dele com inigualável mestria, provocando no dito personagem, acessos de fúria incontroláveis, quiçá, pela afronta que ousou fazer-lhe, obrigando-o pela primeira vez, a recuar perante um seu semelhante.

Frágil, no entanto, perante o inevitável confronto com a realidade dos dias, mais dura e cruel que os narcóticos criados no calor da excitação, mais letal que a dose de bom senso que lhe foi impingida, segundos antes do último adeus à luz da vela, quente, quente.

Não tivera tido sequer, tempo para lhe perguntar, por que motivos lhe havia mentido de forma tão cruel.

Tempo não teve, sequer, de olhar para as suas mãos outrora sangrentas, e perguntar a si próprio, onde tinha errado...

E ainda hoje engendra, no seu subconsciente, planos de acção que lhe permitirão um dia, reclamar perante ela, o que lhe é devido, e que nunca, mas nunca, lhe deveria ter sido negado.

Convencido apenas, de que esse dia chegará. Nesta vida ou...

Não Chores Mais

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Não chores mais. Avó, sei que me ouves desse lado. Ainda eu não passava de um esboço mal feito na cabeça de dois inocentes, e já tu saboreavas na face as agruras deste mundo decadente para o qual te trouxeram sem pedir autorização. Não tinham esse direito, pois não? Ninguém devia ser obrigado a nascer para um mundo tão feio como este em que vivemos. Não chores mais. Eles não merecem, Avó… Por mais lágrimas que vertas, jamais terão o prazer de ver desvanecer-se nos teus olhos, a cor azul celeste com que tos pintaram, aqueles que um dia acreditaram no futuro utópico que neles parecia impresso, logo à nascença. Não chores porque, sempre que o fizeres, dar-lhes-ás motivos de festa. Julgam eles, que assim estarás cada vez mais perto do fim, regozijam e brindam ao futuro risonho que os teus bens lhe proporcionarão, uma vez finda a tua passagem pelo mundo dos vivos. Achas mesmo que vale a pena? Não. Ouve-me: eles não sabem o que fazem. Não vejas em mim divindade alguma, mais não sou que o amontoado de pequenos nadas que sempre soubeste amar, não obstante a rejeição de todos os outros, perante a minha pessoa. Pessoa, ouviste bem? Afinal, a ironia dos deuses: havia de herdar de ti o maior dos teus defeitos – a teimosa persistência que me permitiu levantar do chão, e fazer-me homem quando todos afirmavam que seria macaco. Coloca no meu ombro a tua mão – dançarei contigo uma última valsa. Será a mais longa de todo o sempre. Não terá o habitual ritmo lento e melodioso, antes, tambores rufantes e xilofones trepidantes, acordeãos vibrantes e violas electrizantes. Não deixará de ser uma valsa, pois o teu corpo envelhecido não permite grandes movimentos. Podem rir à vontade… Mas eu tenho o direito de lhe chamar o que quiser. Até poderia ser outra coisa qualquer, mas não: é a valsa da despedida entre uma avó e um neto. Agora que paraste de chorar, aceita este copo. Sirvo-to com a mesma vontade com que o bebes, satisfeitos que estamos com os efémeros sorrisos por ele proporcionados. (Retiro-me, antes mesmo de te aperceberes que não passou de um sonho.) No dia seguinte, toco à campainha e não obtenho resposta. O telefone fora desligado, a casa ficara vazia sem que eu tivesse tido tempo para te indicar qual o melhor caminho a seguir para alcançar o céu. Sei que o encontrarás, no entanto. Mesmo sem a minha ajuda. E eu lá irei ter contigo, mal esteja preparado. Não chores mais... [Na falta de inspiração presente, salvem-se as memórias de um passado recente. Escrito, publicado e posteriormente eliminado por mim, algures num blog, em 2008.]